* Por Raul Canal, presidente da ANADEM
“O seguro de responsabilidade profissional não pode sozinho ser responsável pela solução do grave problema que é o erro médico. É um paliativo – e nada mais do que isso. A efetiva solução do problema ainda depende de amplas discussões. Um conjunto de condições – econômicas, instrumentais e jurídicas – precisa ser criado e funcionar conjuntamente, sem o que se administrará apenas um analgésico, esquecendo-se de combater a verdadeira causa da infecção.” (Eduardo Dantas, advogado, representante da ANADEM em Pernambuco)
Não faz parte da cultura brasileira, ainda, a contratação de seguros. Sejam eles de que natureza forem. Basta, para confirmar tal constatação, analisar o mercado de automóveis. Apesar de termos a segunda maior frota de automóveis do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos da América e dispormos de uma frota de mais de 80 milhões de automóveis, apenas um quarto deles, menos de 20 milhões de veículos, possuem seguro contra roubo, furto e colisões. No ramo de seguros de vida, raramente alguém adquire um seguro por decisão própria. Normalmente, esse produto é adquirido na mesa do gerente de banco, que o “empurra” em uma operação casada, ou é contratado coletivamente, através de sindicatos, associações e empresas.
Por isso, talvez, o seguro de responsabilidade médica, apesar de já estar sendo comercializado no Brasil há cerca de três décadas, ainda não conquistou um mercado substancial. Estimamos que, dos quase 400.000 médicos brasileiros em atividade, menos de 30.000, ou seja, pouco mais de 5%, tenham algum tipo de proteção contra os processos por má prática profissional.
Isso se deve também porque a maioria das entidades médicas – conselhos, sindicatos, sociedades de especialidades – tem se posicionado filosófica e doutrinariamente contra o seguro de responsabilidade civil profissional.
Os argumentos utilizados por aqueles que têm se posicionado contra, todavia, não guardam fundamentos lógicos e não se sustentam em uma argumentação mais profunda a propósito do tema. Dizem, primeiramente, que a contratação de um seguro de responsabilidade civil vai fomentar o número de processos contra médicos. Descabida e desprovida de fundamento científico essa argumentação. Com ou sem seguro de responsabilidade civil profissional, o número de processos éticos cresceu 302% entre 2001 e 2011. No mesmo período, os processos indenizatórios aumentaram em mais de 500%, sendo certo que no Superior Tribunal de Justiça, o aumento verificado no período foi de 1.600%.
O paciente queixoso, antes de ajuizar uma demanda judicial, não vai procurar o médico e questioná-lo se ele tem ou não um seguro de responsabilidade. Da mesma forma que o ladrão de automóveis não pergunta ao proprietário se ele tem um seguro contra roubos e furtos para, somente então, subtrair-lhe o veículo. Menos de um quarto de nossa frota nacional está segurada contra colisão e, entretanto, somos campeões mundiais em acidentes de trânsito. Não é por não ter um seguro contra colisão que faz do nosso motorista um condutor mais prudente e cauteloso. Também não será o fato de possuir tal seguro que o fará dirigir com menos prudência. O fato é que o número de processos contra médicos tem aumentado assustadoramente e, com certeza, 80% dos médicos processados não dispõem de um seguro contra a má prática.
Outro argumento que temos ouvido bastante e contra o qual nos rebelamos, é que com um seguro de reponsabilidade civil, o médico será mais negligente, aumentarão os casos de erro médico. Tal argumento chega a ser ofensivo à classe médica. Eu tenho um seguro total em meu automóvel e, não obstante, ao estacioná-lo no shopping center, subo os vidros, tranco as portas e ligo o alarme. Tenho um seguro residencial contra incêndios e outros acidentes domésticos e nem por isso deixo as válvulas do fogão abertas, espalhando gás pelo interior da residência, quando saio.
Não posso admitir que as lideranças médicas consigam crer que seus colegas exporão a vida e a saúde de seus pacientes – e a sua reputação profissional – em risco, sendo desleixados por contarem com a cobertura de um seguro no caso de uma infelicidade.
O fato é que, embora não queiramos morrer, é aconselhável termos um seguro de vida. O fato de contratar um seguro de vida não exprime um desejo de morrer precocemente.
No ano de 2000, quando escrevi o livro “O Exercício da Medicina e Suas Implicações Legais”, dediquei um capítulo inteiro sobre o assunto e na ocasião, posicionei-me contra a adoção desse produto pelos médicos. Meu posicionamento, todavia se fundamentou em outros argumentos, sobretudo pela necessidade de o médico segurado, quando processado, ter de denunciar a seguradora à lide. Tal fato despersonifica a relação processual e oferece ao julgador um parâmetro objetivo para fixação do valor da condenação, qual seja, o valor da apólice. Por outro, lado, quando for grave a culpa, tendo em vista o caráter pedagógico da condenação, o juiz tenderá a arbitrar um valor superior ao da apólice, a fim de inibir o profissional a voltar a praticar tal conduta no futuro. Tal fenômeno, projetado ao longo de décadas poderá elevar substancialmente o valor das condenações, conforme ocorreu na América do Norte, onde um óbito era indenizado com 150 mil dólares na década de 1970 e hoje oscila entre cinco e dez milhões de dólares. Outro fato que critiquei na ocasião, e ainda critico, são as excludentes de responsabilidade da seguradora que, normalmente, vão de “a” a “z” e ainda faltam letras do alfabeto para alineá-las. A mais inadmissível de todas é o fato de que a CULPA GRAVE do médico isenta a seguradora de propiciar-lhe a cobertura. Ora, se o médico, enquanto profissional liberal, somente pode ser responsabilizado mediante verificação de culpa, quem irá decidir o grau de tal culpa, se levíssima, leve, grave ou gravíssima. Fica muita subjetividade para a seguradora decidir se propicia ou não a cobertura, ou seja, se cobre ou não sinistro.
O fundamento básico do seguro é a socialização do risco individual, repartindo-o entre o universo de contribuintes e minimizando-o para o segurado sinistrado. Então, no caso do seguro de responsabilidade civil médica, o valor da condenação é suportado por todo o universo de médicos participantes, através de um fundo de reserva constituído para tal fim, evitando que o médico sinistrado, condenado judicialmente a uma indenização, compensação ou reparação, comprometa o seu patrimônio para cumprir a determinação judicial.
Dessa forma, o patrimônio do médico não corre o risco e a ameaça de ser total ou parcialmente comprometido.
ARMANDO DE OLIVEIRA ASSIS leciona: “Seguro é o método pelo qual se busca, por meio da ajuda financeira mútua de um grande número de existências ameaçadas pelos mesmos perigos, a garantia de uma compensação para as necessidades fortuitas e avaliáveis decorrentes de um evento danoso”.
A propósito do tema, assim se manifestou o desembargador e doutrinador MIGUEL KFOURI NETO:
“Assim, o sistema se equilibra de modo frágil: os lesados ainda pouco buscam reparar danos que lhes são causados pelos profissionais da medicina; os médicos, quando demandados tentam à outrance defender-se, atribuindo à fatalidade o evento danoso; os hospitais, por sua vez, nem sempre dispõem de recursos para satisfazer as indenizações ou, em relação aos médicos que integram seu corpo clínico, enfatizam que a responsabilidade é sempre pessoal do médico, que não há vínculo, e outras alegações pelo jaez. Volvamos ao exemplo americano. Lá, as fundações que mantêm gigantescos hospitais recebem doações elevadas, os planos de saúde estipulam contribuições substanciais e em contrapartida, remuneram-se adequadamente os profissionais da saúde. Em 1990, houve 18 milhões de processos judiciais nos Estados Unidos. O Judiciário consumiu recursos na ordem de 80 bilhões de dólares. Parte significativa dessas ações está representada por indenizatórias.
As seguradoras, nesse contexto, integram um sistema que se autofinancia, proporcionando relativa tranquilidade aos médicos. Em certas circunstâncias, quando o erro médico revela crassa imperícia, afastando determinadas coberturas, o hospital pode voltar-se contra o médico, fazendo-o participar da indenização.
É o que aconteceu, por exemplo, num caso de troca de embriões, ao qual nos referiremos mais adiante, no qual, em indenização de 400 mil dólares, o laboratório arcou com 100 mil, tocando ao médico responsável pelo equívoco os restantes 300. Há que se ressaltar, todavia, que os próprios médicos, em muitos casos, também estipulam seguros individuais – além das apólices coletivas dos estabelecimentos em que trabalham.
Considerando nosso Sistema Único de Saúde, que nos grandes aglomerados urbanos revela-se apocalíptico, forçoso concluir que nem disposição para solucionar tal problema existe.”
O mestre da Campina Grande, professor GENIVAL VELOSO DE FRANÇA, se mostrou sempre um grande defensor da socialização do risco médico, através da contratação de seguro de responsabilidade civil profissional, que ele chama de seguro médico.
Com a palavra, o professor:
“A mutualização dos riscos através dos seguros é a melhor maneira de proteção contra todo infortúnio imerecido. (…)
As condições básicas para que o seguro médico tenha um bom funcionamento são: existência de um interesse real, exposição a um perigo comum e potencial, iminência de dano, avaliação do risco e das necessidades, e custo acessível.
Finalmente, o sistema de economia coletiva no âmbito médico tem por finalidade principal reparar – tanto quanto possível e da maneira mais justa – quem dela venha a necessitar, contanto que atenda as condições previamente estabelecidas.
O seguro contra responsabilidade civil do médico não apenas traria ao cliente maior garantia para sua saúde e ao médico uma forma mais tranquila e segura no exercício de sua profissão, mas, também, daria à sociedade uma certeza de que seu equilíbrio econômico, social e emocional não seria prejudicado por fatos cujas discussões e protelações em nada têm se mostrado útil. Uma indenização de grande monta paga pessoalmente por alguém poderia arruiná-lo, transformando o causador do dano em outra vítima.
A única fórmula capaz de sanar as situações advindas dos danos causados por uma prática médica seria a socialização do risco médico.
A socialização dos riscos e danos médicos, ao contrário do que muitos pensam, não é simplesmente a posse de uma apólice de seguro de responsabilidade civil. É muito mais. É um programa inclinado numa proposta político-social, solidária e responsável, em favor do médico e da comunidade, e, por isso, em favor da ordem pública e do equilíbrio social, não se resumindo ao pagamento de indenizações, mas ainda em patrocinar assessoria jurídica em ações administrativas, civis e penais do médico, estabelecer projetos voltados à prevenção do risco e do dano, e também ao infortúnio do paciente.
Socializar o risco e o dano médico, no sentido de reparar civilmente o prejuízo é o único instrumento viável e suscetível de assegurar tranquilidade no exercício profissional e garantir uma reparação mais imediata e menos confrontante com o médico. É também uma forma de corrigir algumas distorções da medicina dita socializada, cada vez menos amistosa, cada vez mais hostil”.
Os defensores da contratação de tal modalidade de seguro, como proteção, não apenas para o médico, mas para a própria sociedade, elencam, basicamente, as seguintes vantagens:
• O seguro facilita a liquidação dos danos;
• Dá ao médico maiores condições de segurança no trabalho;
• Assegura o equilíbrio social e a ordem pública;
• Contribui para a justiça social;
• Melhora a forma de previdência propriamente dita;
• Livra médico e paciente de processos;
• Evita explorações, ruínas, injustiças e iniquidades;
• Não depende da situação patrimonial do médico para garantir a reparação ou compensação;
• Corrige o aviltamento patrimonial da vítima;
• Contribui com o superávit do sistema em programas de prevenção do dano;
• Estimula a solidariedade social;
• Os seguros disponíveis no mercado não atendem à necessidade. Tem inúmeros defeitos, mas entre vantagens e desvantagens, ainda assim aconselha-se a sua adoção.
O Professor GUSTAVO TEPEDINO analisa o mercado segurador e sobre ele, no que diz respeito especificamente ao seguro de responsabilidade civil profissional médica, com toda razão, lança o seguinte comentário:
“Não é da tradição brasileira a contratação de seguros de responsabilidade civil pelo médico ou pelos hospitais, talvez pelo fato dos montantes das indenizações impostas pelo Judiciário ainda não representarem uma ameaça à atividade profissional. Deve-se ter em linha de conta, é bem verdade, o aumento vertiginoso da litigiosidade na experiência brasileira da última década, prenúncio de uma alteração nesse estado de coisas. Já se verifica nos grandes centros, particularmente em São Paulo, ainda que sem um controle estatístico preciso, a difusão dos seguros profissionais na área médica. De todo modo, nos dias de hoje, embora se encontrem disponíveis, no mercado brasileiro, apólices apropriadas para a cobertura (sem limites legais) por danos causados por atividades profissionais, tal modalidade de seguro tem recebido reduzidíssima procura”.
Nos seguros dessa modalidade, disponíveis atualmente no Brasil, a seguradora garante, nos termos das condições gerais, até o limite máximo de indenização em garantia única, o interesse do médico segurado em relação à sua responsabilidade civil profissional, mediante a indenização dos danos causados a terceiros que o mesmo venha a ser obrigado a reparar, decorrentes de erros ou omissões cometidos no exercício da profissão, exclusivamente na especialidade segurada, devidamente descrita na apólice, pelos quais venha a ser civilmente responsável e desde que os erros ou omissões sejam cometidos durante a vigência do seguro ou durante o período de retroatividade da apólice.
Na linguagem do mercado securitário, compreende-se como erro ou omissão cometido no exercício da profissão de médico qualquer ato médico executado com culpa, assim como qualquer erro, omissão ou descumprimento do dever incorrido no exercício da especialidade segurada. São considerados como um único erro ou omissão, vários erros ou uma série de erros ou omissões cometidos no exercício da profissão de médico, durante o prazo do seguro e pelos quais o médico segurado venha a ser civilmente responsável, desde que estejam relacionados entre si, derivem um do outro, tenham a mesma origem, sejam o resultado de uma mesma causa, ou tenham sido cometidos dentro do âmbito de tratamento da mesma enfermidade ou lesão do mesmo paciente.
Basicamente, são três modalidades de apólices. As à “base de ocorrência”, as à “base de reclamação” e as à “base de reclamação com notificação”.
Na primeira hipótese, a apólice define como objeto do seguro o pagamento e/ou o reembolso das quantias, respectivamente, devidas ou pagas a terceiros, pelo segurado, a título de reparação de danos, estipuladas por tribunal civil ou por acordo aprovado pela sociedade seguradora, desde que: (a) os danos tenham ocorrido durante o período de vigência da apólice; e (b) o segurado pleiteie a garantia durante a vigência da apólice ou nos prazos prescricionais em vigor.
A apólice “à base de reclamação” configura uma forma alternativa de contratação de seguro de responsabilidade civil, em que se define, como objeto do seguro, o pagamento e/ou o reembolso das quantias, respectivamente, devidas ou pagas a terceiros, pelo segurado, a título de reparação de danos, estipuladas por tribunal civil ou por acordo aprovado pela sociedade seguradora, desde que: (a) os danos tenham ocorrido durante o período de vigência da apólice ou durante o período de retroatividade; e (b) o terceiro apresente a reclamação ao segurado durante a vigência da apólice ou durante o prazo complementar, ou durante o prazo suplementar, quando aplicável.
Já na apólice “à base de reclamação com notificação” define-se o sinistro como sendo de competência da apólice durante cuja vigência a notificação tenha sido feita.
Conforme já asseveramos anteriormente, uma das severas críticas que fazemos às apólices comercializadas no Brasil é o elenco infindável de situações em que os sinistros não estarão cobertos, ou seja, em que a seguradora se isenta da responsabilidade de indenizar. Entre as principais apólices dessa natureza hoje comercializadas, podemos elencar as seguintes excludentes de responsabilidade que, variando aqui e acolá o linguajar e alguns termos técnicos, estão presentes em praticamente todas. Na maioria das apólices, estão excluídas expressamente as reclamações:
a) decorrentes de erros ou omissões cometidos fora do prazo de seguro, mesmo que no exercício da profissão de médico, o segurado venha a ser civilmente responsável;
b) apresentadas fora do prazo de seguro, exceto nos casos previstos como prazo complementar ou suplementar;
c) decorrentes de erros ou omissões cometidos no exterior e/ou submetidos à jurisdição e/ou legislação estrangeiras, mesmo que no exercício da profissão de médico;
d) efetuadas como consequência de erros ou omissões cometidos no exercício da profissão de médico, pelos quais o segurado venha a ser civilmente responsável quando não compreendidos na especialidade segurada;
e) efetuadas pelo cônjuge, ascendentes, descendentes ou pessoas economicamente dependentes do médico segurado. Da mesma forma, não estarão amparadas as reclamações relativas a acidentes ou enfermidades profissionais ocorridos durante a relação trabalhista e como resultado de seu emprego ou contratação pelo médico segurado;
f) efetuadas pelo seu (s) empregado(s). Da mesma forma, não estarão amparadas pelo contrato de seguro as reclamações relativas a acidentes ou enfermidades profissionais ocorridos durante a relação trabalhista e como resultado de seu emprego ou contratação pelo médico segurado. Esta exclusão não se aplicará às reclamações decorrentes de erros ou omissões cometidos no exercício da profissão de médico, pelos quais o médico segurado venha a ser civilmente responsável e cometidos no âmbito da prestação de serviços ou tratamento médico a um empregado quando revestido do caráter de paciente;
g) por erros ou omissões decorrentes de atos ilícitos dolosos ou culpa grave, equiparável ao dolo, praticados pelo médico segurado, pelos sócios controladores da empresa segurada, seus dirigentes e administradores legais e pelos beneficiários ou representantes legais de cada uma destas partes;
h) decorrentes de recusa de atendimento a pacientes, ou acidentados em situações de emergência;
i) decorrentes de assédio sexual;
j) decorrentes da prestação de serviços e/ou tratamentos que sejam proibidos por lei ou pelos regulamentos emanados de autoridades sanitárias ou outras autoridades competentes; ou não autorizados pelas autoridades judiciais competentes, quando tal autorização seria necessária; ou não reconhecidos pela ciência médica; ou não permitidos de acordo com os padrões profissionais aceitos para a prática da especialidade segurada do médico segurado. Esta exclusão não se aplicará àqueles tratamentos de caráter científico-experimental, quando a condição do paciente justifique a utilização de tais tratamentos como último recurso e o paciente ou seus representantes tenham dado o seu consentimento por escrito;
k) decorrentes da violação da obrigação profissional de confidencialidade;
l) decorrentes de qualquer acerto, contrato ou compromisso do médico segurado que exceda o dever de utilizar os conhecimentos e cuidados usuais no exercício da especialidade segurada, ou em virtude do qual teria sido prometido um resultado, efeito ou êxito;
m) devidas aos danos, lesões, enfermidades ou falecimento, causados por ou decorrentes de guerra, invasão, ações de inimigos estrangeiros, hostilidades, declaração de guerra, guerra civil, rebelião, greve, terrorismo, revolução, insurreição, governo militar, usurpação de poder, guerrilha, motim ou qualquer outra perturbação de ordem pública. Esta exclusão, contudo, não se aplicará se ficar demonstrado que, independente da ocorrência dos eventos descritos nesta alínea, houve responsabilidade profissional do médico segurado;
n) devidas a danos, lesões, enfermidades ou falecimento causados ou em decorrência de contaminação por radioatividade proveniente de substâncias utilizadas como fontes de energia nuclear;
o) por danos devidos à contaminação decorrente de transfusão de sangue, quando o médico segurado não tiver cumprido com todos os requisitos exigíveis de um profissional no exercício da especialidade segurada para a prestação, controle e aceitação de sangue, seus componentes ou hemoderivados;
p) por multas de qualquer natureza impostas ao segurado;
q) pela reintegração de honorários pagos pelo paciente ou outra pessoa física ou jurídica em nome do paciente com relação à provisão de serviços e/ou tratamentos;
r) decorrentes de danos genéticos;
s) decorrentes da propriedade, posse, uso ou conservação de veículos terrestres, embarcações, aeronaves ou de quaisquer outros veículos;
t) decorrentes de danos e/ou prejuízos, inclusive roubo, furto ou extravio, de bens de terceiros e/ou de empregados do segurado em poder do mesmo ou a ele confiados para guarda, transporte, uso, manipulação ou execução de quaisquer trabalhos. Tal exclusão também se aplicará em relação a veículos de qualquer natureza nas áreas de estacionamento existentes nos locais segurados/garantidos;
u) decorrentes de obras de construção civil ou de instalação ou montagem de equipamentos e/ou de demais aparelhos;
v) relacionadas às consequências de receitar ou administrar medicamentos não aprovados pelas autoridades competentes, assim como a responsabilidade civil dos fabricantes de medicamentos receitados pelo segurado, quando o dano se origine pelo produto e não por culpa, negligência ou imperícia do segurado;
w) relacionadas a qualquer tipo de discriminação, como, por exemplo, racial ou sexual;
x) relacionadas às recomendações ou indicações fornecidas via on-line/Internet ou similar, a não ser em casos específicos para pacientes já diagnosticados;
y) decorrentes de roubo, extravio ou furto de bens de qualquer espécie pertencentes a terceiros, ainda que ocorridos no interior de clínicas ou consultórios sob controle e utilizados pelo segurado no exercício profissional;
z) por danos resultantes de uma real ou alegada ameaça de descarga, dispersão, liberação ou escapamento de poluentes;
aa) relacionadas com qualquer perda, custo ou despesa de qualquer ordem ou exigência de autoridade competente, para o segurado testar, acompanhar, limpar, remover, conter, tratar, desintoxicar ou neutralizar poluentes, inclusive se tais operações forem executadas por iniciativa do segurado.
Concordamos que o dolo, descrito na alínea “g” deva sim excluir a cobertura do seguro. Todavia a “culpa grave”, equiparável ao dolo é, por demais, subjetiva e deixa o médico ao total arbítrio da seguradora se deverá ou não indenizar. É muita arbitrariedade para decisão unilateral da seguradora.
O Dr. ROBERTO LAURO LANA, médico e advogado, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico, em artigo intitulado “Por que um seguro de responsabilidade médica?”, assim se manifestou:
“De tudo o que foi acima exposto, surge a necessidade de se criarem mecanismos de proteção contra os riscos profissionais, acidentais ou involuntários, que sempre existem pela própria natureza não-matemática da arte da medicina, através dos denominados seguros de “malpractice”, ou de má prática médica, tão prevalentes nas nações de economia capitalista, e que aqui começam a surgir, embora timidamente, alcançando algumas especialidades mais visadas (anestesia, cirurgia plástica, obstetrícia, etc.). Da mesma maneira que, quem hoje adquire um veículo, está compulsoriamente obrigado a realizar um seguro de responsabilidade civil (ainda que, evidentemente, não tenha intenção de atropelar ninguém…), também o médico recém-graduado, armado do seu bisturi e da prerrogativa exclusiva, por lei, de tratar e administrar medicamentos, representa um risco mensurável de dano em potencial”.
A ANADEM, Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética, criou no ano de 2000 e mantém até hoje, com um universo de cerca de 5.000 médicos associados, o FUMDAP, Fundo Mutualista de Defesa e Assistência Profissional, o qual tem se revelado a mais poderosa ferramenta de defesa dos médicos em todas as esferas. Trata-se de um fundo prestamista e mutualista que promove a arrecadação de mensalidades de seus associados e lhes propicia, em contrapartida, a defesa jurídica junto aos conselhos regionais e ao Conselho Federal de Medicina, bem como a defesa em demandas criminais e indenizatórias, arcando, inclusive, com as despesas processuais, peritos e assistentes técnicos necessários na fase probatória dos processos.
Em havendo a condenação do médico a uma indenização, reparação ou compensação de danos materiais, morais, corporais, existenciais ou estéticos, a ANADEM mantém um seguro contratado de grandes seguradoras, através de apólices coletivas por adesão. Portanto, em sendo o médico associado condenado a ressarcir o paciente ou sua família, ele tem uma cobertura extraordinária que preservará a integralidade de seu patrimônio.
É, a nosso juízo, a mais poderosa ferramenta existente no Brasil na defesa do exercício profissional da Medicina.
A verdade é que a Medicina já está judicializada. A indústria do erro médico já se instalou no País. Não adianta fecharmos os olhos e fingir que o problema não existe. Não convém enfiarmos a cabeça na terra, como faz o avestruz, e fingir que o problema não é conosco.
É muito cômodo para os conselhos regionais fazerem discursos contra a contratação do seguro profissional. Todavia, quando o médico é processado, ninguém lhe ajuda a contratar um advogado, nem, tampouco, quando condenado, fazem uma “vaquinha” para auxiliá-lo a não dilapidar o patrimônio conquistado com tanto sacrifício. Pelo contrário, o mais provável é que o CRM ainda instaure um processo ético profissional, para ver se não houve uma transgressão ética. Então, novos advogados deverão ser contratados.
Nessas demandas, mesmo que o médico não seja condenado, ao longo do processo, que poderá perdurar de cinco a dez anos, gastará, no mínimo, de 100 a 200 salários mínimos, unicamente na sua defesa, entre honorários advocatícios, periciais e de assistência técnica.
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em uma publicação do ano de 2001, intitulada GUIA DE RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE, assevera que “Devem ser motivo de preocupação os seguros por má-práxis ou seguros de responsabilidade civil, que fazem o ressarcimento e cobrem as despesas de possíveis indenizações que o médico venha a pagar diante de processos na Justiça. Tal prática interfere de forma negativa na relação médico-paciente, pois diminui o nível de confiança e faz aumentar os conflitos; eleva os custos dos serviços médicos; oferece uma proteção aparente ao profissional e incentiva a “indústria das indenizações”. A relação médico-paciente é pessoal, íntima e deve ser baseada na confiança mútua, sentimento que pode deixar de existir, quando a opção é pelo seguro e pelo conflito. Se o médico assumir essa postura defensiva, enxergando no paciente um potencial inimigo que pode processá-lo, a relação de confiança mútua estará irremediavelmente quebrada”.
Com a mais respeitosa vênia, temos de alertar ao CREMESP que a Medicina não é mais uma profissão romântica. O médico até pode sê-lo e até pode exercer a Medicina com romantismo, mas o seu paciente (que agora é consumidor de serviços) não é romântico. O fato de o médico contratar um seguro de responsabilidade civil profissional em nada, em absolutamente nada alterará a sua relação com o paciente. Mesmo porque o paciente jamais precisará saber que ele tem um seguro dessa natureza. Não é preciso que o médico veja o paciente como um inimigo para que esse o processe. Aliás, o médico somente se valerá do seguro e o paciente somente saberá que o seguro existe se porventura vier a processar o médico. Nesse momento, a relação já foi azedada, o relacionamento já avinagrou, a confiança já foi rompida, o respeito já foi perdido, a amizade já acabou há muito tempo.
Afirmar que o seguro de responsabilidade civil vai “aumentar os conflitos” e incentivar a “indústria das indenizações”, seria o mesmo que afirmar que o seguro de vida aumenta o número de homicídios.
É certo que a relação médico-paciente é íntima, pessoal e deve ser baseada na confiança mútua. Todavia, mesmo numa relação matrimonial, que é “íntima”, “pessoal” e baseada muito mais do que na confiança íntima, senão na maior das intimidades, com sexo e cama permeando e perfumando o relacionamento, com filhos em comum, com a construção de vida, patrimônio e história em comum e, todavia, sabemos nós como acabam muitos casamentos, quando judicializada a relação. Todo homem se casa com a melhor mulher do mundo e, todavia, alguns anos depois, muitos se separam de uma ‘vaca’, de uma ‘cadela’, de uma ‘piranha’, de uma ‘vagabunda’ e tantos adjetivos mais. Toda mulher se casa com um príncipe e muitas se separam de um sapo, de um bêbado, de um vagabundo, de um cafajeste, de um crápula.
Por mais meritória que seja a relação médico-paciente – e ela deve sim ser preservada – isso não evitará um processo judicial. Quando há sentimentos feridos e interesses econômicos, não há amor, não há gratidão, não há respeito. Todo o passado é esquecido. E não será o seguro que induzirá o médico a errar. Não é o seguro que produz o dano ao paciente. Não é o seguro que provoca e instaura o conflito. Não é o sofá que provoca a infidelidade.
Aconselhar os médicos a não contratarem seguro de responsabilidade civil para evitar processos, é tão inútil e tão infantil quanto parar o relógio para economizar tempo ou para evitar a velhice.
Faz-se, portanto, necessário repensar essas posturas. O médico precisa de tranquilidade para livremente exercer o seu sacerdócio. O paciente merece proteção, segurança e certeza de que se lhe for provocado algum infortúnio, receberá uma compensação que, embora não lhe devolva a condição anterior, servir-lhe-á de alento, uma compensação patrimonial para minimizar os dissabores que experienciou.
Sempre que adquirimos um bilhete de passagem aéreo ou rodoviário, compulsoriamente, pagamos junto o valor de um seguro para o caso de haver um acidente durante a viagem. Para podermos rodar com nossos automóveis, mesmo que não tenhamos contratado um seguro voluntário, pagamos um seguro obrigatório (DPVAT) para prover a indenização de possíveis danos que venhamos a provocar contra terceiros ou a nós próprios. Se não pagarmos o seguro obrigatório, poderemos ter o nosso veículo apreendido e conduzido aos pátios do DETRAN.
Por que, então, não orientar o médico a contratar um seguro que, mais do que preservar o seu patrimônio, assegurará a justa reparação dos danos que ele possa vir a provocar nos seus pacientes?!
Fonte: CANAL, Raul. Erro Médico e Judicialização da Medicina. Edição 2014.
Foto: phtol.com
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